quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Nossos pais...


Apesar de termos feito tudo, tudo que fizemos, eles estão ali com as mãos abertas estendidas, prontas pra nos segurar, ainda que já não tenham mais a força, aquela força do herói e da heroína, que povoava nossa imaginação de criança e que nos protegia dos nossos medos. Hoje seus cabelos branquearam, suas peles perderam o viço, mas os olhos que nos olham são os mesmos da vida inteira. Olhos de quem quer nos ler a alma, compartilhar nossos sonhos, abrir as portas dos nossos desejos e nos entregar na bandeja um mundo que eles sonharam pra nós, sentir até nossas próprias dores, se isso fosse possível...
Eles nos olham, e em seus olhos de pálpebras cansadas há sempre um pedido de perdão. Porque eles sentem que faltou alguma coisa, uma palavra no momento certo, um gesto... talvez!
O sonho da maioria deles é que sejamos o que eles não puderam ser, é que façamos o que eles não puderam fazer, (ou não façamos algumas coisas que eles fizeram...) é que tenhamos o que eles não tiveram, é que sejamos melhores do que eles foram. E é assim que nós somos também, é nesse espelho que vemos nossa face, nossa alma refletida. É nesse espelho que queremos que nossos filhos mirem-se. Porque também queremos que eles sejam melhores do que somos. Como disse o poeta: "Apesar de termos feito tudo, tudo que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos, como os nossos pais"

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

"Nas paredes da memória"...



Não... "Essa lembrança não é um quadro que dói mais", essa lembrança é uma pintura meio esmaecida pelo tempo, mas que guarda ainda uma tonalidade bonita, com pitadas de azul e cor de rosa, amarelo, verde musgo, cores de galos e quintais...Essa pintura guarda ainda um sabor de café com leite, sorvido em tardes longas e silenciosas. Minha tia ali, bordando seus enxovais branquinhos, imaculados... Enquanto eu me divertia absorta em pensamentos estranhos e sem nexo, pensamentos de menina com a cabeça nas nuvens, pensamentos de menina que sonhava em ser moça, talvez aeromoça!
As lembranças são as vezes turvas, outras vezes surgem como vultos, e vão tomando forma, e vão tomando cores e até sabores e aromas.
Sinto o cheiro de quintal molhado... e minha tia ali, bordando seus lenços, lençóis imaculados. Linhas, meadas varicores, linhas de seda, linhas fininhas, tênues como as linhas do tempo. E a agulha fura seus dedos. O dedal ali, esquecido em cima da cadeira...
Uma porta que range quebra o silêncio. Uma pergunta qualquer solta no ar, não encontra resposta.
Os bordados vão se delineando, em cores suaves, flores matizadas e degradées. E minha tia ali, tecendo as linhas do seu tempo, absorta em pensamentos, dos quais nunca terei as chaves.
E sinto o cheiro de baús antigos, roupas de linho, cambraias bordadas, retratos, cartas amareladas. Sinto o cheiro de afetos, mágoas, família... Café coado em coador de pano, almofariz de bronze, zinabre, pimenta do reino, carvão queimando, sabão em pedra. Sinto cheiro de coisas guardadas, segredos... Conquistas! Sinto o cheiro da minha casa, das flores de plástico, do pé de coco; de Marilu, minha boneca manchada de tinta prateada, do animal de estimação que não tive. Sinto até o cheiro de "fio", um gato preto que vivia por lá mas não era meu...
Sinto gosto de saudade em minha boca. Um gosto meio doce, meio amargo... Mas um gosto tão bom! Ainda vejo minha tia ali, pernas cruzadas, absorta, bordando suas flores matizadas em enxovais imaculados, enquanto o tempo passeava lentamente pela nossa sala.