sábado, 17 de outubro de 2009

Um passeio superficial pelo universo dos tios queridos da minha infância distante...



Hoje me lembrei dos meus tios... Viajei no tempo, flutuei num passado distante, nos afetos e lembranças de uma infância bonita e criativa, recheada de fatos e vivências intensas. É de lá que trago tudo que sou, é lá que está minha essência, é onde mora minha saudade.
Tio Dito, meu tio preferido, hoje com a cabeça toda branca, me pagou muitos centavos quando os primeiros fios começaram a afrontar sua juventude, ameaçar sua vaidade... Eu, torcia com todas as forças pra que nascecem mais e mais valiosos fios brancos, minha fonte de renda, sempre arrancados cuidadosamente, pra fazer valer cada centavo. Fico até com remorso...
Tio Dito carregava em si uma aura de beleza e mistério. Havia nele um quê de sabedoria misturada com simplicidade e bom humor. Um olhar profundo e raro, um coração imenso e uma mente aberta. Um cidadão do mundo, uma pessoa especial.  Era assim que minha imaginação infantil e fértil construia o perfil daquele super tio, e é assim que o vejo até hoje. Continua lindo, e os cabelos brancos lhe caem bem.
Tio Hélio, por sua vez, tinha em si, uma beleza diferente. Parecia que guardava um segredo profundo, inatingível... Que a mim, nunca passou despercebido. Havia nele um quê de sofrimento e angústia. E muitas vezes pude ver seus lábios tremerem, seus dentes cerrarem...
Seu sorriso era curto e raro, mas seu coração não cabia nas mãos, e sua bondade era imensa, e ele carregava um amor tão grande, mas tão grande, que chegava a pesar nas suas costas e esmagar seu corpo franzino.
Acho que ele morreu de tanto amor...
Tio Toni,  tio Toninho, um ponto equidistante entre o atlântico e o pacífico... Eu nunca soube verdadeiramente o que sentir sobre ele, o que falar sobre ele... Ele sempre foi pra mim uma incógnita. Mas foi através dele que eu soube mais ou menos algo sobre esteio, arrimo, família, responsabilidade... Mas naquela época essas palavras me causavam um certo temor. Na verdade, eu tinha um pouquinho de medo de tio Toni, daquela seriedade, daquele jeito austero, embora paradoxalmente, sua risada era a melhor, fluia intensa e verdadeira. Seu humor era sagaz. Tio Toni era perspicaz, inteligente, criativo... Enquanto tio Hélio e tio Dito se embrenhavam pelo universo engenhoso da fotografia, tio Toni dava continuidade a profissão de vô Jaime, era um sapateiro. E eu me lembro que todo dia quando eu ia pra escola passava por sua "tenda". Nascia em mim uma vontade de produzir coisas, criar coisas...  As vezes queria ser fotógrafa, as vezes queria ser sapateira, as vezes professora, as vezes costureira, bordadeira... como minhas tias!
Tia júlia,"sempre procurando o espanador... Quando não estava sentada no canto da sala, sob a luz que entrava pela janela, bordando suas flores matizadas e sua história singular. Mergulhada em pensamentos, silenciosa, solitária... Era assim, bonita e serena  que eu gostava de ve-la. E nunca a beijava, pra não desmanchar essa imagem. Hoje eu tenho saudades desses beijos que não dei.
Ah! Tia Alice... A mais transgressora de todas as tias. Aquela que me foi espelho. Cheia de brio e de fibra. Espirituosa, debochada, guerreira, franca... Cheia de histórias, de amores, separações e dores.
Foi ela que me iniciou na sétima arte. Ela era bilheteira do antigo cine teatro fênix, hoje uma igreja qualquer...
E foi lá que tive minhas primeiras experiências mágicas, minha primeira vez com o cinema. Nunca vou me esquecer disso! A verdade é que tia Alice é uma história longa, que um dia ainda vou contar...
Tia Beza é a beleza em pessoa. Nascida Zulmira, nunca vi um nome não caber tanto em alguém como o dela.
É a minha tia do coração. A mãe de todos nós. A consiliadora, a compartilhadora, a tábua de salvação nos nossos momentos mais difíceis. Sempre pronta pra ouvir e acolher. Sempre pronta pra nos dar a mão. Ela é a mais serena de todos, suas verdades sempre são bem ditas, suas palavras mesmo quando são ásperas são ternas.
Tia Leuza é a da lousa, a professora... Meio metódica, muito na dela. Equilibrada e justa. Íntegra, telúrica. Pé no chão. Nunca pude advinhar seus sonhos. Ela tem um certo mistério... Não sei onde estão suas asas, mas que elas existem, existem! Um dia quero ve-la voar...
Tia Júlia, de novo... Essa é um capítulo à parte. É a personagem principal da minha história. Foi quem ninou minhas noites, embalou meus sonhos, me preparou para a vida. Me deu guarida, me deu carinho, remédio,comida. Me deu banho, me vestiu, ouviu meus gritos de rebeldia, me aguentou por desesseis longos anos, e me acompanhou pela vida toda, até aqui. Mesmo estando distante ela está sempre comigo em todos os momentos..
Não posso esquecer de tio Cleon, esse, eu sempre sonhei ve-lo casado com tia Júlia. Um sonho sem pé nem cabeça, percebi tempos depois... Tio Cleon, baixinho e forte, um grande brincante, carnavalesco, festeiro. Cheio de histórias e piadas. Um curtidor de galos e quintais. Irmão da minha mãe e seu grande companheiro.
Com ele aprendir o prazer de curtir coisas simples e dar risadas, e também mangar um pouco...
E tem Alberto, a quem nunca chamei de tio, aliás, teve uma época, quando eu era muito, muito pequena, ele tinha voltado de Brasília e me ensinou a chama-lo de "titio Alberto". Mas isso durou muito pouco tempo. Logo eu já estava lhe chamando de Alberto. Compartilhávamos alguns amigos durante minha adolescência, e também o gosto por algumas coisas... Alberto era um cara do bem, embora não tenha sabido o que fazer com a própria vida. Trilhou caminhos tortuosos e suas estradas foram as mais estreitas, ingremes e escuras.
Mas tenho fé em Deus que ele tenha encontrado uma luz no final da jornada. Porque ele sempre quis ser de Jesus. " Eu vou ser de Jesus", ele dizia...
Esses são meus tios queridos. Os vivos, e os que fizeram a besteira de morrer...
É bom lembrar deles, é bom ter tios para lembrar.