quarta-feira, 5 de agosto de 2009

"Nas paredes da memória"...



Não... "Essa lembrança não é um quadro que dói mais", essa lembrança é uma pintura meio esmaecida pelo tempo, mas que guarda ainda uma tonalidade bonita, com pitadas de azul e cor de rosa, amarelo, verde musgo, cores de galos e quintais...Essa pintura guarda ainda um sabor de café com leite, sorvido em tardes longas e silenciosas. Minha tia ali, bordando seus enxovais branquinhos, imaculados... Enquanto eu me divertia absorta em pensamentos estranhos e sem nexo, pensamentos de menina com a cabeça nas nuvens, pensamentos de menina que sonhava em ser moça, talvez aeromoça!
As lembranças são as vezes turvas, outras vezes surgem como vultos, e vão tomando forma, e vão tomando cores e até sabores e aromas.
Sinto o cheiro de quintal molhado... e minha tia ali, bordando seus lenços, lençóis imaculados. Linhas, meadas varicores, linhas de seda, linhas fininhas, tênues como as linhas do tempo. E a agulha fura seus dedos. O dedal ali, esquecido em cima da cadeira...
Uma porta que range quebra o silêncio. Uma pergunta qualquer solta no ar, não encontra resposta.
Os bordados vão se delineando, em cores suaves, flores matizadas e degradées. E minha tia ali, tecendo as linhas do seu tempo, absorta em pensamentos, dos quais nunca terei as chaves.
E sinto o cheiro de baús antigos, roupas de linho, cambraias bordadas, retratos, cartas amareladas. Sinto o cheiro de afetos, mágoas, família... Café coado em coador de pano, almofariz de bronze, zinabre, pimenta do reino, carvão queimando, sabão em pedra. Sinto cheiro de coisas guardadas, segredos... Conquistas! Sinto o cheiro da minha casa, das flores de plástico, do pé de coco; de Marilu, minha boneca manchada de tinta prateada, do animal de estimação que não tive. Sinto até o cheiro de "fio", um gato preto que vivia por lá mas não era meu...
Sinto gosto de saudade em minha boca. Um gosto meio doce, meio amargo... Mas um gosto tão bom! Ainda vejo minha tia ali, pernas cruzadas, absorta, bordando suas flores matizadas em enxovais imaculados, enquanto o tempo passeava lentamente pela nossa sala.

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